Comummente, os portugueses, têm o velho hábito de dizer que Portugal vai de mal a pior. Contudo, e embora muita coisa esteja mal, não podemos dizer que está tudo mal.
Garantidamente que ainda há um longo caminho a percorrer na procura incessante de melhorar a qualidade das práticas e das aprendizagens no nosso sistema de ensino.
A Educação em Portugal tem melhorado em alguns aspetos ao longo dos últimos 30 anos e creio que poucos terão dúvidas disso. Porém, muito ainda há que fazer e mudar, sob pena de um dia, aí sim, ficar tudo mal.
A chamada escola a tempo inteiro chegou em 2006 às nossas escolas, com o sentido de assegurar a permanência dos alunos, pelo menos, até às 17h30 e por um período mínimo de 8 horas. O ponto 4 do artigo 2.º, da Portaria n.º 644-A/2015, é bem claro e advoga este princípio.
As atividades de enriquecimento curricular (AEC) foram um dos instrumentos aplicados para garantir e dilatar o período escolar. Sendo estas atividades de componente lúdica/educativa e de cariz opcional, vieram colmatar a necessidade de uma sociedade que na sua generalidade, infelizmente, não tem disponibilidade para ir buscar os seus filhos à escola mais cedo.
Mas será que os moldes de funcionamento das AEC ainda estão atuais? Será que, passados 17 anos, ainda faz sentido ser assim?
Na minha opinião, não! E não faz sentido andar a tapar buracos com remendos ineficazes, quando o problema de fundo é exatamente outro e que se prende simplesmente com a sua orgânica de envolvimento curricular.
Ao longo dos últimos anos, o mediatismo sobre este assunto foi aumentando, surgiram vários focos; uns com situações caricatas outras menos caricatas; problemas com pais insatisfeitos e aulas que não correm nada bem; técnicos e professores que hoje dão aula e amanhã já não dão. Enfim, uma envolvência de episódios que dão ou deviam dar que falar, mas que ainda não foi suficiente para colocar o tema na agenda política dos nossos governantes.
Não me parece que andar a mudar horários ou mudar de prestadores de serviço, seja de modo algum, uma solução definitiva, nem tão pouco mais ou menos a correta. Acredito que a solução, esteja relacionada com a mudança do paradigma das AEC e o seu modo de funcionamento. No fundo, uma mudança estrutural e orgânica, começando pela alteração do currículo e respetivamente pela contratação de profissionais de educação ajustados a esta atividade.
Contudo, a falta de técnicos e professores para desenvolverem estas atividades, vieram ainda afunilar mais o problema, tornando-o ainda mais sério e constrangedor para os alunos e respetivas famílias.
O Concelho de Tomar não é exceção e não conseguiu resolver sensatamente este problema na sua globalidade no arranque do presente ano letivo. Mas pior do que não conseguir resolver o problema, porque bem sabemos que existem fatores externos que os municípios não controlam, é tentarem arranjar estratégias pouco ou nada democráticas.
No caso concreto do Agrupamento de Escolas dos Templários, a situação tomou tal proporção que o tema da educação teve que ser debatido em sede de Assembleia Municipal.
Tudo começou quando os horários das AEC foram apresentados publicamente e se percebeu que as atividades estavam intercaladas com o horário da componente letiva do primeiro ciclo. Até aqui poderia ser tudo normal, não fosse a situação levantar dois aspetos fundamentais, que comprovam que estes horários são um erro de princípios.
O primeiro aspeto, prende-se com umo questão de ordem moral. A governação socialista partiu da premissa errada, “alegando” que estas atividades são vinculativas e obrigatórias.
Pensar assim só revela falta de conhecimento da legislação, falta de flexibilidade e de empatia arrepiante, a qual poder-se-ia evitar uma “queda aparatosa … numa arena sem rede” (cf. Nuno Lobo Antunes, in Sinto Muito) se o funcionamento das atividades não condicionasse as opções e a liberdade das famílias dentro e fora da escola justamente porque as AEC são meramente facultativas.
Dentro da escola, porque quase que “obriga” a inscrever no ATL, caso a família/ aluno não queira a atividade e o ponto 4 do artigo 2.º, da Portaria n.º 644-A/2015, é novamente bem claro. Ou seja, a escola por si só tem que garantir todas as condições para a permanência dos alunos até às 17h30.
Fora da escola, porque condiciona as opções e uma eventual oferta que estes entendam ser melhor para os seus educandos.
Até posso compreender que é difícil recrutar técnicos e professores, dado que os horários são pouco ou nada aliciantes, mas este não é um problema das famílias, é um problema que esta governação tem que resolver.
Em segundo lugar, e desta vez por uma questão legal, a governação socialista teve a ousadia de apresentar à comunidade escolar, horários de funcionamento das AEC que não foram aprovados pelo único órgão que podia dar seguimento à proposta, que é o Conselho Geral. Segundo erro de princípios!
O Conselho Geral, na reunião realizada no passado dia 14 de julho, votou por unanimidade a favor da proposta do Conselho Pedagógico, recomendando que as mesmas só se deviam realizar após a componente letiva.
Esta votação foi contra a proposta da governação socialista que pretendia mesclar as atividades no meio da componente letiva, indo contra ao estipulado pela lei em vigor.
Aqui só vejo uma leitura possível, plasmada no ponto 6 do Artigo 18.º da Portaria n.º 644-A/2015, que refere o seguinte: As AEC são desenvolvidas, em regra, após o período curricular da tarde, sendo da responsabilidade do Conselho Geral, sob proposta do Conselho Pedagógico, decidir quanto à possibilidade de existirem exceções a esta regra.
Curiosamente, este parecer teve o voto favorável do Presidente da Junta de Freguesia de Tomar, Augusto Barros, que tem assento nos Conselhos Gerais de ambos os agrupamentos, como representante, não só da própria Junta de Freguesia, mas também do Município.
O sentido de voto do único representante do Município presente nesta decisão, também dá que pensar. Este é um claro sinal de falta de diálogo e estratégia no seio da governação socialista.
Resumindo, o Conselho Geral inviabilizou a proposta municipal e como tal, é evidente, que os horários propostos não deviam estar a ser aplicados neste Agrupamento de Escolas.
A expressão latina “Dura lex, sed lex”, (A lei é dura, mas é a lei), neste caso concreto, foi completamente ignorada.
Posso concluir que, diálogo, sensatez e estratégia faltaram neste processo e, mais uma vez, dificultaram o encontro de soluções conjuntas.
Fica com isto também comprovado que empurrar e imputar a solução de um problema para cima das famílias, passando por cima da lei, não é solução para nada.
Por fim, alunos e famílias não merecem tamanha confusão e desgaste no arranque do ano letivo. Como tal, urge a necessidade de debater a ilha curricular em que transformaram as AEC, não descurando a sua natureza eminentemente lúdica, formativa e cultural, mas procurando integrá-las num projeto agregador de aprendizagens.
*David Cascaes
Deputado Municipal eleito pelo PSD e Vogal da Comissão Política do PSD