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“Fatias de Cá”: há mais de 40 anos a fazer teatro

Tudo começou em 1979, na sede da Sociedade Nabantina, em Tomar, com uma sessão cultural intitulada “Fatias de cá com Nini Ferreira”. O nome ficou e o gosto pelo teatro foi conseguindo juntar cada vez mais pessoas. Não se pode falar do Fatias de Cá sem falar de Carlos Carvalheiro, o seu fundador, diretor e encenador. Contra ventos e marés e com escassos apoios oficiais, o grupo sobreviveu até agora e continua a manter semanalmente vários espetáculos em cena, somando até agora mais de 50 peças ao longo destas quatro décadas. Um caso único no panorama cultural do interior do país, mas que não é reconhecido pela câmara de Tomar que continua a ostracizar o grupo.

Consequência disso, em 2018, o diretor artístico do Fatias de Cá Carlos Carvalheiro recusou receber a Medalha de Valor e Altruísmo atribuída pelo município.

Mas voltando ao início da década de 80, nessa altura o grupo começou a ser perseguido e boicotado na Nabantina sendo os seus elementos acusados de serem “comunistas” e de tentarem ocupar a coletividade.

Este clima hostil levou a que, tanto o grupo de teatro como o grupo coral, saíssem da Nabantina e dessem origem, em 1982, à associação cultural Fatias de Cá e à associação Canto Firme, com estatutos próprios.

Marcas distintivas do grupo são os locais onde as peças são representadas, envolvendo normalmente deslocação dos espectadores ao longo dos espetáculos, e os “comes e bebes” no intervalo ou no final. Ou não fosse o lema do Fatias de Cá: “Não resistir nem a uma ideia nova nem a um vinho velho”.

 

Com autorização do seu autor, transcrevemos um texto de António Manuel Faria Freitas, sobre o grupo de teatro Fatias de Cá, publicado no jornal Cidade de Tomar de 15 de abril de 2022.

Em conversa com Carlos Carvalheiro sobre o “Fatias de Cá” de Tomar

A seguir ao 25 de Abril e pelo país criaram-se vários grupos de teatro e Tomar não fugiu à regra e foi criado o Fatias de Cá.

E porquê a designação, Fatias de Cá?

Na Sociedade Nabantina, juntaram-se cerca de meia dúzia de jovens para realizarem, em 1979 uma sessão cultural, ao que vieram a intitular, “Fatias de cá com Nini Ferreira”, (personagem marcante da cidade de Tomar). Fatias de cá, tem a ver com o doce.

Fatiado simboliza pedaços de Tomar, pedaços esses das revistas dos anos 40. O espetáculo além da entrevista e do teatro, teve também a intervenção da banda e teve um enorme êxito.

Esta gente, era interventiva demais para os gostos de certos sócios da Nabantina. Foi feita uma campanha para denegrir o trabalho destes jovens: dizendo que eram comunistas que tinham ocupado a Nabantina.

Passados três anos, em 1981, a direção da Nabantina criou problemas a esse já vasto grupo, que incluía teatro e coro e decidiram abandonar a coletividade: os que pertenciam ao coro, transformaram-se no “Canto Firme” que hoje são reconhecidos a nível internacional.

O grupo de teatro legalizou-se em associação, ficando com o nome, Fatias de Cá, em 1982 e durante 15 anos focou-se em Tomar.

Em 1997, criaram-se os Centros de Produção em vários concelhos: Lisboa, Coimbra, Tomar, Torres Novas e Almourol que engloba a zona circundante. Os membros dos diversos grupos, entreajudam-se quando há falta de elementos para a peça que querem construir.

Fazem teatro em espaços públicos e ao ar-livre; em média têm cerca de 80 espectadores que muitas vezes não dá para pagar as despesas feitas. E, diz o Carlos: “As pessoas em vez de irem ao teatro, iam para dentro do teatro, sentiam-se participantes no teatro.” As peças em cena variam muito da procura do público. O “Nome da Rosa” é que esteve mais tempo em cena, faziam-se 20 a 30 espetáculos por ano, foram quase 300 espetáculos em 10 anos.

O Fatias de Cá, não tem só uma peça em cena, mas sim, com várias peças e por vários elencos. Agora, estamos a ensaiar uma peça em Coimbra: mas só com elementos de lá. A “Inês de Castro”, é feita todos os anos, e muitas outras são repostas em cena.

Ao longo dos tempos dos Fatias de Cá, cerca de 800 pessoas já atuaram e hoje cerca de 100 pessoas fazem parte dos elencos dos vários Centros de Produção.

À pergunta: se acham que o representar modifica a vossa forma de estar em sociedade, ou seja, as pessoas que representam tornam-se mais assíduas no seu meio onde vivem ou fecham-se num casulo?

O fazer teatro, implica que a gente vista a pele desse personagem e nem sempre é boa pessoa e muitas das vezes são horríveis. A opinião do outro, nós temos que respeitar, cada pessoa quer o melhor para si e para os outros. Acreditamos que o teatro é uma forma interessante de nós criarmos a aceitação dos outros.

Quando estamos a fazer uma representação estamos a dar e não recebemos nada em troca. Seremos compensados pelo reconhecimento quando as pessoas aplaudem. O teatro, tanto potencia o melhor de nós como o pior. Ao fim de uma tarde de ensaios, saímos de lá com mais energia.

Com o vosso trabalho, qual a mensagem que desejam passar?

A nossa mensagem e aquilo que nos move mais é a partilha de uma boa história e que vale a pena ser partilhada com os outros. A história que é apresentada não tem só uma mensagem, mas várias mensagens. O ato do teatro como é lógico tem para nós a relação com o público. Se não houver público o teatro é um exercício e não tem significado. As peças que escolhemos são baseadas em histórias e fantasiadas ou ficção. Queremos mostrar algo que para nós é importante e que queremos partilhar.

Em ordem ao futuro, fazemos um congresso de sete em sete anos, com o tema: “Que Fatias de Cá, queremos ser em 2028?” Para projetar a nossa prática para daqui a sete anos, é o que andamos permanentemente à procura de histórias que valham a pena ser contadas. E, vai para 7 anos que passamos as peças para filme, além de ficarem como documento são exibidas em salas de cinema, grátis para abranger mais público.

À pergunta sobre os apoios: da Câmara são muito poucos que andam à volta dos 5% do nosso orçamento e não estamos dependentes.

Conseguimos ter uma estabilidade funcional. Não é desse apoio que depende o nosso trabalho. Quando há prejuízo, dividimos; metade pela a Associação e a outra pelos elementos conforme a responsabilidade.

O Fatias de Cá de Torres Novas, tem um protocolo com a câmara para a cedência dos espaços públicos. Na Barquinha a câmara dá apoio logístico; (Centro de Produção de Almourol). Lisboa e Coimbra não têm apoio.

António Manuel Faria Freitas

 

 

1 comentário

  1. A câmara continua a olvidar o Fatias…e não só! Existe uma canção dedicada a Tomar e até ao presente ninguém nesta porcaria de terra se lembrou de prestar uma homenagem ao artista que a criou. Trata-se de Max, o canconetista da Madeira.
    Atruibui-se por aí nomes a ruas, pracinhas e pracetas de gente da confraria, cuja acção em prol da terra é por vezes discutível, e em relação a Max, uma pessoa genuína e simples, o esquecimento é completo.

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