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Uma análise ao projeto da rua Dr. José Tamagnini: O preço da falta de escrutínio público

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Mais de um mês depois do abate das 11 olaias na Av. Dr. Egas Moniz, os trabalhos ainda não se iniciaram na referida artéria (tendo apenas sido feito algum trabalho no caminho sem saída entre as vivendas), o que faz questionar a urgência deste abate evitável.

A Câmara continua sem disponibilizar o projeto de execução da empreitada, alegando que este já foi divulgado no “sítio do costume”[1].

Pesquisando na internet, encontrou-se a seguinte documentação nas peças de concurso do anúncio do procedimento[2]:

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  • Memória descritiva de uma página assinada pelo técnico superior Marco Rodrigues e com data de janeiro de 2024
  • Peças desenhadas pelo mesmo técnico superior e com a data de agosto de 2023
  • Lista dos trabalhos previstos no Caderno de Encargos
  • Plano de prevenção e gestão de resíduos de construção e demolição (PPGRCD) de fevereiro de 2024
  • Plano de segurança e saúde (PSS) de fevereiro de 2024
  • Caderno de encargos (empreitadas de obras públicas e condições técnicas)

Começando pela memória descritiva do projeto, que devia descrever o projeto, justificar opções e apresentar o dimensionamento das infraestruturas a instalar, constata-se que são apresentados, em linhas gerais, os trabalhos a ser efetuados. De resto, não são apresentados os dimensionamentos das condutas de saneamento, de abastecimento e pluviais.

As peças desenhadas mostram a área a intervencionar e apresentam o levantamento topográfico, que foi feito com tanto rigor que até se esqueceu de duas olaias na Av. Dr. Egas Moniz. Se não considerou árvores que eram visíveis quando se andava nesta rua, questiona-se se terá considerado todas as condutas previamente existentes nos troços a intervencionar (aparentemente também não, porque houve uma rotura de conduta existente mas não identificada no caminho que já foi em parte intervencionado). É a partir das peças desenhadas que se percebem os diâmetros e inclinações das condutas que vão ser instaladas, sem que sejam apresentados quaisquer cálculos que justifiquem estas opções. Note-se que este troço da rua Dr. José Tamagnini vai ser urbanizado com propriedade horizontal e haverá um aumento das necessidades de abastecimento e saneamento. As peças desenhadas têm também as demolições, onde se incluem os abates das árvores, pavimentações, plantações de árvores, rede de comunicações e a sinalização. O último desenho é da localização da ilha subterrânea (ecoponto). Não é apresentada qualquer justificação para a sua instalação. Se calhar a explicação é que ficava bonito no papel.

O PPGRCD é um documento pré-elaborado que é adaptado a este projeto e que se foca nos resíduos de construção e demolição, que nem são muito significativos, uma vez que só vão ser substituídos passeios e retirado algum alcatrão para fazer ligações. Os trabalhos a executar referem o derrube de árvores, incluindo o desenraizamento e limpeza de terreno, mas nada é referido sobre estes resíduos verdes.

O PSS é também um documento pré-elaborado que é adaptado ao projeto, que identifica as medidas de segurança e saúde dos trabalhadores a adotar e prevê a elaboração de um plano de sinalização temporária e de ocupação da via pública.

Em relação ao estudo fitossanitário das 11 olaias da Av. Dr. Egas Moniz, foi facultado posteriormente um documento interno que tem a data de fevereiro de 2025 (o projeto é de 2023 e, portanto, o abate das árvores já estava decidido a priori), ao qual faltavam duas árvores que, surpreendentemente, não coincidem com as que estão em falta no levantamento topográfico, e que é acompanhado de fotografias das árvores tiradas dias antes do seu corte (veem-se as tiras com que o estacionamento foi bloqueado naquela zona e o gradeamento da obra. A fotografia de uma das árvores até é do street view do Google Maps porque ela já tinha sido cortada entretanto).

Se este projeto de execução só tem estes documentos, isto é gravíssimo e só revela a falta de rigor e a falta de competência dos técnicos da Câmara Municipal. A Câmara invoca que a Rua Dr. José Tamagnini está para ser aberta há cerca de 60 anos. Volvidos tantos anos, seria de esperar que a Câmara apresentasse um projeto de execução rigoroso.

Talvez por estar consciente destas irregularidades, a Câmara Municipal não divulgou publicamente este projeto, agindo de má fé e com dolo. E, agora, quando as obras já estão em curso, e os cidadãos começam a contestar porque não puderam fazê-lo antes, a Câmara provavelmente vai alegar que a oportunidade de executar estas obras e o investimento que o Município de Tomar fez e que é dinheiro do erário público está acima do rigor e do cumprimento da legislação.

Daqui se conclui que o envolvimento e escrutínio dos cidadãos é fundamental e determinante para evitar irregularidades nos projetos e que este escrutínio só é conseguido quando o acesso à informação é facilitado atempadamente e o poder local é dialogante e transparente.

Joana Simões

Licenciada em Engenharia do Ambiente pelo Instituto Superior Técnico

Mestre em Bioenergia pela Faculdade de Ciências e Tecnologia pela Universidade Nova de Lisboa

Doutoranda em Ciências da Sustentabilidade na Universidade de Lisboa

[1] https://tomarnarede.pt/sociedade/obras-ja-comecaram-na-rua-jose-tamagnini/ e https://tomarnarede.pt/sociedade/camara-nao-cumpre-a-lei-na-obra-da-rua-jose-tamagnini-e-av-egas-moniz/

[2] https://diariodarepublica.pt/dr/detalhe/anuncio-procedimento/20142-2024-889277005

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5 comentários

  1. Não é admiração que as decisões desta presidência acerca de “coisas publicas” não tenham escrutínio publico.
    Tem sido sempre assim, posso, quero e mando, seja com a anterior presidente, seja com o que foi nomeado e está em exercício..
    É incomodo é quando algum cidadão tem competência, deteta erros ou lacunas, e faz perguntas.
    Seriam também matérias e problemas para serem debatidos na assembleia municipal, mas essa, coitada, foi transformada em cenário vazio, para enganar população e receber senhas de presença.

    1. Olá, tem sempre sido assim porque as pessoas também deixam que assim seja e acomodam-se.
      Como refere, a Assembleia Municipal pode também ter um papel mais ativo.
      Mas, como cidadãos, também podemos e devemos pressionar os nossos decisores políticos para uma postura mais aberta, dialogante e transparente.
      Obrigada

    1. Eu também não gosto dele, mas o que é que tem a ver a competência com o facto de o sujeito ter sido nomeado em vez de eleito? Quantos eleitos temos tido no governo que não valem a ponta dum corno? Ao fim de mais de 5 décadas continuamos na cauda da Europa, continuamos com centenas de milhares de pessoas a viver com 300 euros ou menos por mês. É que têm feito os eleitos???

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