![Nené Cebola. Quem se lembra? nene cebola lionel carvalhais 69179902 1037800697036155096 n](https://tomarnarede.cdnwizard.eu/wp-content/uploads/2019/11/nene-cebola-lionel-carvalhais-69179902_1037800697036155096_n.jpg)
A memória da figura é clara. Um sujeito magro, não muito alto, muito simpático e educado, sempre muito bem vestido. Parava quase exclusivamente no Café Paraíso, propriedade do Manuel Mota Grego, tio de João Mota, o fundador do Teatro da Comuna, também ele natural de Tomar e também no Pepe, na Praça da República. Sempre a “duzentos” à hora. Tomava sempre um galão e uma torrada, que também quase sempre alguém acabava por lhe pagar. Sem que ele fizesse por isso, mas nunca recusando a gentileza.
Não trabalhava, não tinha condições psicológicas para tal. O comum dos tomarenses “vendia” a estória de que foi vítima de um esgotamento enquanto estudante e nunca mais recuperara. A esta distância, contudo, e com outra informação que não havia nesse tempo, é hoje fácil chegar à conclusão que Lionel Carvalhais era autista. Desconheço a razão por que tinha a alcunha de Nené Cebola, mas é curioso que ninguém a ele se dirigia desse modo, era sempre tratado por Carvalhais, por tu ou por senhor, conforme a proximidade. Nené era o tratamento na terceira pessoa. Se fizerem um esforço e tentarem lembrar-se de Dustin Hoffman em Rainman – Encontro de Irmãos, onde contracena com Tom Cruise e onde dá vida a uma pessoa com autismo, podem ver o Nené Cebola. Creio que vivia com uma irmã que dele cuidava, de quem tenho uma memória muito vaga, porque raramente saía de casa.
Lionel Carvalhais tinha, como quase todos os autistas, uma fixação (perdoem-me os eruditos no assunto, mas o meu conhecimento não vai mais além): sabia todos os números de telefone do concelho de Tomar e de todos à volta e que com ele confinam, de memória. Era dizer-lhe um nome e ele rapidamente respondia. Era uma agenda telefónica volante. Imaginem-se na Praça da República e precisarem de telefonar para um Manuel Figueiredo, de Abrantes e não fazem ideia para que número devem telefonar. Passa Carvalhais e é fácil: “Ó sô Carvalhais, dá-me o número do Manuel Figueiredo de Abrantes?” “Com certeza, meu amigo, é o (e lá vem o número e como bónus a morada), mas se não atender pode ligar para o João Fernandes que mora na casa ao lado.” Não é raro estas pessoas serem brilhantes com números e os telefones, quando começou, tinham apenas quatro números e uma sequência lógica (publicou as listas até os números terem cinco dígitos, salvo erro), mas já era outro assunto juntar-lhes as moradas. Note-se que de memória…
Os CTT não editavam listas telefónicas, ou talvez editassem, não faço ideia, mas,de qualquer modo, Nené arranjou forma de juntar uns cobres para a sua sobrevivência e da irmã: Editava ele próprio as listas, uma a uma, numa máquina de escrever, agrafando depois as folhas. Começou pelo concelho de Tomar, depois acrescentou-lhe Ferreira do Zêzere e finalmente tudo à volta – Abrantes, Ourém, Torres Novas e Vila Nova da Barquinha, com quem Tomar faz fronteira. Posteriormente adicionou à sua lista os concelhos da Chamusca, Golegã e Entroncamento.
Escusado era perguntarem-lhe alguma coisa enquanto caminhava, em passadas curtas e rápidas, falando para ele próprio. A resposta era inevitavelmente a mesma: “Vá perguntar aos correios.”
A seguir publicamos outro texto partilhado por Ccr Carvalhal no Facebook sobre a mesma figura:
Porque é importante recordar e deixar algumas achegas aqui vai:
Lionel de Barros Sousa Carvalhais, figura enigmática da cidade de Tomar , um homem com uma memória prodigiosa e nem sempre compreendido por a nossa gente .
Nasceu na Rua de Leiria, fez o ensino primário e três anos da escola comercial.
Desde de tenra idade e na escola os professores viam um aluno com uma mente incrível através da sua capacidade de decorar um trecho ou números
Já para além da idade da reforma percorria as ruas da cidade, indo a fabricas, lojas escritórios , vendendo as suas listas ou mesmo as bonecas de artesanato da sua irmã.
derivado á sua capacidade de decorar facilmente fazia as listas telefónicas de Tomar, e depois passou a fazer as de Torres Novas e de concelhos vizinhos, sabia mais de 50 mil números de telefone .
Caso alguém precisasse de um numero de um medico, loja , café , ate casas particulares saberiam a quem recorrer , o Nené Cebola.
Aqui entramos em caminhos muito mais apertados, por vezes ria-se por vezes chateava-se, quando o chamavam por esta alcunha , vinha do seu avô Manuel Gonçalves de Sousa , natural de Pousos e na qual ia vender todas as semanas à Golegã, era conhecido por o cebola, como em criança chamavam-no de Nené, acrescentaram o cebola, por parte do avô.
Maria das Dores Sousa Gonçalves, Mãe do nosso Lionel, dava concertos de piano em sua casa, havia convites e convivas, e era servido chá, na qual era vendido para custear as despesas, morreu com 70 anos.
Lionel vivia de uma pequena pensão ( 2.8000$00), com este dinheiro alugou um quarto, e com ele teria que dar para se sustentar comia onde calhava, e era difícil. Dizia sempre o que lhe valia era as listas que batia á maquina, as famosas listas do Carvalhais, que percorreram a cidade mais de 40 anos, Havia bons clientes e um deles e uma boa pessoa era Manuel Freitas Lopes, que comprava uma boa quantia de listas.
Mas as qualidades do Leonel não era só números , se lhe dissessem o nome completo era capaz de dizer o numero de letras que tinha.
Uma das historias talvez conhecida de alguns Tomarenses, em que o Carvalhais foi uma peça importante para se resolver um roubo que existiu em Tomar, Em Dezembro de 1967, o Sr. Luís Macedo tinha comprado uma viatura, e na noite de natal roubaram a viatura ao homem, de imediato o Sr. Luís Macedo foi bater à porta do Lionel Carvalhais, contou o que tinha se passado, e que não tinha documentos e não sabia a matricula, e se eventualmente ele tinha decorado a matricula do Carro, de imediato o Nené disse EC-34-67, e la foi o dono fazer queixa à policia que dias depois recuperou a viatura.
Abraço que a vida te sorria, que por cá foi difícil.
Em memória de Lionel Carvalhais
E ainda um último texto
Bonito texto e homenagem ainda mais bela. O vosso blog é top! Obrigada por partilharem com os mais novos as nossas memórias mais esquecidas de Tomar.
Quem não viva em Tomar nem aqui tenha nascido, não vai decerto notar que falta nos textos citados um detalhe importante. Para além da sua memória prodigiosa e das suas evidentes dificuldades de adaptação à bafienta sociedade tomarense do seu tempo, que ideias tinha realmente o sr. Carvalhais?
Os textos citados nada dizem por razões óbvias. Leonel Carvalhais incomodava o auto-proclamado escol local. Sobretudo quando entrava no café Paraíso, olhava para todo a salão e proclamava, em voz bem audível -Viva a República! Canalhas! Pulhas!
Apesar de oposicionista, do reviralho portanto, nunca teve aborrecimentos com a PIDE por ser de boa família tomarense arruinada, e amigo do general Fernando de Oliveira.
Ontem como hoje, conforme bem demonstra este caso Nené Cebola, a micro-sociedade tomarense não quer nada com a política. Prefere fingir que tal coisa porca nem sequer existe. Com os excelentes resultados que estão à vista de todos.
Lembro-me muito bem do sr. Carvalhais. Tratei-o sempre dessa forma. Tinha outra faculdade para além dos números de telefone: se alguém lhe dissesse o nome completo, por mais comprido que fosse, ele imediatamente dizia de quantas letras era composto. Ocasionalmente vendia bonecas de Abrantes para amealhar alguns escudos. Perdi o conto às que lhe comprei. Também fazia umas rifas cujo prémio invariavelmente saía “à casa”. Eu e muitos dos seus habituais “clientes” olhávamos para isso com um sorriso de bonomia. Uma das pessoas que mais o estimava foi o sr. Manuel Faria do centro de cultura.
O senhor Carvalhais, como aqui foi dito, vestia-se de forma sóbria, nem sempre com a melhor das higienes, mas enfim, talvez fosse o possível. Tinha uma vaidadezinha: gostava de ter os sapatos bem engraxados, e vai daí, sentava-se no banco do sr. Manel engraxador que trabalhava no café Paraíso (outra figura típica da vida tomarense) e de lá saía com os velhos sapatos reluzentes.
Morreu anónimo, foi sepultado anónimo, e só dessa condição sai quando alguém da “velha guarda” se recorda daquela Tomar harmoniosa…e analógica!
Lembro-me bem dos respeitosos galanteios
Obrigada por nos trazer essas recordações.
Era eu garoto, finais dos anos 60, e vi-o numa loja em Ourém, onde fora levar as listas. Porque é que me recordo? Porque alguém disse que ele contava as letras dos nomes de uma pessoa de imediato, o que fez naquele momento com o nome de um dos empregados da loja. Depois saiu e eu ouvi dizer que sabia o número de todos os telefones de Tomar e Ourém!