Prosseguimos a publicação de histórias interessantes de tomarenses que decidiram sair do país e procurar trabalho e sucesso noutras paragens do globo. Na rubrica “Tomarenses pelo Mundo” vamos conhecer a história de Hélder Miguel Bernardino que há oito anos saiu da sua aldeia (Amêndoa – Olalhas) e foi trabalhar para Angola, um país que não conhecia apesar de a sua família ter lá estado alguns anos.
É uma experiência no mínimo radical, suavizada pela língua e cultura semelhantes. De uma pequena aldeia do nordeste do concelho de Tomar para uma cidade como Luanda, onde moram 8 milhões de habitantes. Este é um exemplo da capacidade de adaptação que tão bem caracteriza os portugueses.
Hélder Miguel Bernardino tem 35 anos. Em janeiro de 2013 emigrou para Angola, sozinho, indo trabalhar para uma empresa que tem sede em Ferreira do Zêzere. Mas desde então já mudou de emprego três vezes.
Tomar na Rede – Qual é atualmente a sua atividade?
Hélder Miguel Bernardino – Sou Country manager de uma empresa que produz e comercializa matéria prima para padaria, pastelaria e geladaria no canal B2B, e mercearia doce no canal B2C, trabalho em outsourcing num distribuidor de nome FRUTIGEL, mas o meu visto de trabalho está em nome da BIAGIO SA, que é a fábrica e a marca de produtos que distribuímos.
– Porque optou por emigrar?
Como toda a gente que emigra, para procurar uma vida melhor e estabilidade financeira. Cresci a ouvir falar de Angola, o meu pai esteve cá 10 anos, os meus 3 irmãos mais velhos nasceram cá. É incrível falar com pessoas que vieram combater para África, (Angola, Moçambique, Guiné Bissau…) quando falam da sua experiência por este continente, mesmo em situação tão difícil como foi a guerra colonial, libertam aquele brilho nos olhos e fazem transparecer uma saudade que só percebemos quando cá chegamos.
A empresa onde eu trabalhei 8 anos em Tomar, Conzel Construções, já tinha por cá actividade e em 2012 surgiu uma oportunidade para vir, trabalhava na altura por conta própria tinha uma imobiliária e uma empresa de remodelações, e numa conversa em tom de brincadeira pelo Facebook com o meu antigo patrão fui convidado para vir ocupar o cargo de chefe de armazém de uma sucursal da SICARZE, nunca tinha trabalhado nessa área mas os meus 27 anos fizeram me “mandar de cabeça” para a tão desejada aventura Africana.
– Como foi a adaptação nesse país?
Adaptação??? O que é isso??? Angola é uma “extensão” de Portugal, eu interpreto assim, a mesma língua, a cultura muito idêntica. Vir trabalhar para Angola para um grupo empresarial no qual já conhecia, mesmo para exercer funções totalmente desconhecidas, fez com que não sentisse muitas diferenças para Portugal
– Quais as maiores dificuldades?
Nasci e cresci na aldeia mais bonita do concelho de Tomar, Amêndoa, freguesia das Olalhas.
Viver numa de aldeia de menos de 200 habitantes, no concelho de 40 mil habitantes num país de 10 milhões e aterrar numa cidade de 8 milhões de habitantes, com o trânsito louco, foi sem dúvida a única dificuldade para me adaptar a este belo país, se existiu mais alguma dificuldade??? ….não me lembro agora…..
-Quais as maiores diferenças que sentiu em relação a Portugal? (remunerações, valorização profissional, perspetivas de ascensão na carreira, condições de vida, qualidade de vida, clima, gastronomia, língua, etc)
Tenho 8 anos de Angola, já é a 3ª empresa onde trabalho, embora que a empresa que trabalho neste momento tenha como uns dos acionistas a primeira empresa que me trouxe para Angola. Sempre tive reconhecimento profissional por onde passei, quer aqui quer em Portugal, e modéstia à parte sei que deixo saudades.
Os ordenados que se praticam em Angola para cidadãos expatriados (nome que se dá por estas bandas a estrangeiros), já não são o que eram há 10 anos atrás, mas o salário médio praticado pelas empresas que empregam expatriados de quadros médios ronda os 5 a 6 ordenados mínimos portugueses. Há alguns anos atrás o contrato de expatriado incluía casa e viagens a Portugal, a realidade está um pouco diferente e a maior parte das empresas negocia um plafond para esse tipo de despesas ou simplesmente deixar essa despesa por conta do expatriado.
A renda de uma casa com as básicas condições de conforto e de segurança ronda os 2 ordenados mínimos portugueses, para um T2.
Na área da gastronomia, há pratos típicos angolanos muito bons os quais como muito frequentemente muamba com molho de ginguba (galinha rija com molho de amendoim), e mufete (peixe grelhado com feijão cozido em óleo de palma e farinha de mandioca hidratada por cima do feijão, que tem ainda como guarnição, banana pão assada, batata doce, mandioca assada e salada de tomate picadinho) um verdadeiro banquete que faz me ficar pronto para uma bela sesta, e claro o famoso funge do qual não sou apreciador.
Para cada província (distrito), que vamos, tem os seus pratos típicos muito à semelhança do nosso Portugal.
A língua oficial é a portuguesa, mas diz-se que Angola tem mais de 30 dialetos.
O clima é um verdadeiro espetáculo. No verão, que é de setembro a maio, em Luanda a temperatura máxima nunca passa os 32º c com humidade quase sempre acima do 60%, o que nos dá uma maior sensação de calor, mas que se aguenta muito melhor que os 40º c do verão português. Confesso que ainda não me habituei de passar o Natal de chinelos e calções na praia. Em Angola é no verão que chove, com uma precipitação de dilúvio. Acaba a chuva e quase que de imediato “rompe o sol” com a força toda.
No inverno, que cá se chama cacimbo, temos temperaturas diárias de 20º c e à noite pode baixar para 15ºc ou 13ºc, isto em Luanda. Noutras cidades especialmente do interior chega-se a registar temperaturas perto dos 0ºc, mas em Luanda eu praticamente faço praia o ano todo, nessa altura não há chuva só um ligeiro cacimbo em algumas manhãs, e poderá haver dias que o rei Sol não aparece.
Quer partilhar algumas histórias engraçadas que tenha vivido?
Histórias? Vou escrever um livro. Tenho quase 40 mil kms feitos nos últimos 4 anos de mota por Angola, as peripécias são muitas, desde de ter de comprar gasolina no mercado negro para continuar viagem, tomar banho de caneca ao fim se uma viagem seguida de 1.180 kms enfim, como diz o Leo Dicaprio em Diamante de Sangue, TIA this is africa.
A cultura não é muito diferente, mas ainda continua a ser um choque para mim os funerais, chamados óbitos. Duram 2 ou 3 dias. A família, amigos e conhecidos reúnem-se em casa do malogrado e há um verdadeiro banquete e uma pequena “festa” onde se joga às cartas, pernoita-se, ouve-se música (louvores de igreja) pela noite fora. É assim que os angolanos se despedem dos seus entes queridos
– Costuma frequentar as lojas de produtos portugueses e restaurantes portugueses?
Os supermercados por aqui têm quase tudo o que temos em Portugal, mas um iogurte grego pode custar 3 euros.
A maior parte dos restaurantes em Luanda são geridos por portugueses. Escusado será dizer que ao fim de semana os restaurantes estão a abarrotar de portugueses, com pratos já de boa qualidade a rondar os 30 euros
– Quantas vezes e por quanto tempo vem a Portugal?
Antes da pandemia ia a Portugal três vezes por ano em períodos de 15 dias. Devido a pandemia em 2020 só fui uma vez. Este ano já fui em janeiro, e tenho já uma viagem marcada para junho. Tentarei ir mais uma vez ainda em 2021.
– Quanto tempo conta ficar em Angola? Planeia regressar um dia definitivamente?
A minha origem está sempre comigo, a Amêndoa e as “minhas gentes” estão sempre no meu pensamento. Não tenho em mente ir tão cedo para Portugal.
– Como se gere a saudade?
A saudade não se gere, a saudade engana-se, com as novas tecnologias, com três viagens por ano a Portugal e evitar tempos mortos para a cabeça estar distraída.
– Oito anos depois, que ideia tem de Angola?
Angola é um país fantástico, com um enorme potencial turístico. Tem mais de 1600 kms de costa, muitas praias virgens, com um pôr do sol único.
“Tomar na Rede” lança o desafio aos nossos emigrantes que queiram partilhar a sua experiência noutras paragens do mundo. Se quiser prestar o seu testemunho com uma entrevista, envie-nos um email para