Um escândalo que o dinheiro silenciou
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Por Afonso Gonzaga Paládio
Alguns leitores ainda se lembrarão decerto da celeuma causada, há uns tempos atrás, pela rodagem de parte do filme O homem que matou D. Quixote no Convento de Cristo. Acusaram nessa altura os responsáveis do filme de terem posto em perigo alguns sectores daquele monumento Património mundial, nomeadamente ao acenderem uma fogueira de grandes proporções no Claustro da Hospedaria, mesmo ao lado da fachada da Janela do capítulo.
A resposta-defesa dos acusados foi pronta. Veio da própria direcção do monumento e de outros técnicos superiores da DGPC. Alegaram que não senhor, que tinham sido antes tomadas todas as precauções; que tudo verificado, os estragos eram mínimos, e seriam prontamente reparados. O escândalo morreu aí. Ficaram todavia muitas dúvidas, nomeadamente sobre a larga galeria de advogados defensores dos arguidos. Foram demasiados para serem todos sinceros.
O tempo passou e agora o filme está nos circuitos comerciais. Tive ocasião de o ver há uns dias. É um filme burlesco e onírico, baseado na obra de Cervantes, comprido e chato como um peixe espada, mas infelizmente bastante menos saboroso que o peixe.
As imagens colhidas no Convento de Cristo ocupam quase toda a segunda parte do filme, cuja primeira parte foi rodada em vários locais de Espanha, como parece curial, uma vez que a ação da obra cervantina se desenrola no país vizinho.
Informações de fonte segura, garantiram-nos que apenas foram rodadas no Convento de Cristo as cenas que nenhum monumento espanhol dependente do governo aceitou, por serem demasiado arriscadas e/ou desprestigiantes para o património público
Sabe-se agora que, para poderem dispôr do Convento de Cristo durante duas semanas, os responsáveis do filme pagaram à Direção-geral do património cultural – DGPC, um organismo estatal dependente do Ministério da cultura, a soma global de 175 mil euros. A essa soma há que acrescentar os extras para “portaria e guardaria”, bem como para os numerosos figurantes locais. Em termos simples, além do pagamento ao Estado, houve “bodo aos pobres”, como nos tabuleiros. E até para um ou outro rico.
Por isso apareceram tantos defensores, aquando das graves acusações formuladas. Tudo gente impoluta e acima de qualquer suspeita, já se vê. Podia lá ser de outra maneira!
O filme aí está finalmente, a confirmar as várias e muito graves imprudências, barbaridades e até simples ataques ao bom senso e bom gosto. A primeira nota é para assinalar que se rodaram cenas em locais que nunca podem ser visitados pelos cidadãos, mesmo pagando. O que é estranho: património público aberto para estrangeiros, mas vedado aos nacionais. Refiro designadamente as três Salas do noviciado, a cela do D. Prior e o Terraço da cera.
Outro reparo vai para perigosa entrada de cavalos no terreiro do Portal da virgem e no Claustro de D. João III, que posteriormente nunca foram desinfectados, pelo que podem transmitir o tétano equino.
Terceira observação para o inqualificável tratamento dado à Charola, o santuário templário. Colocaram no seu interior pelo menos dois coloridos menhires de plástico, luminosos e de grandes dimensões. Fizeram um simulacro de baile no interior do templo e até permitiram a entrada de um muito avantajado cavalo de madeira, tipo “cavalo de Tróia”.
Tudo isto perante um rei, que no filme está no seu palácio, de costas para o centro da Charola e olhando o Coro alto manuelino, com a parede de entrada da sala do capítulo completamente tapada com espelhos rectangulares. Uma vergonhosa profanação.
No Claustro da Hospedaria, resvalaram claramente para a barbaridade. Ergueu-se uma enorme pira com mobiliário e outras coisas usadas, encimada por uma imagem colorida da virgem, e deitou-se fogo ao conjunto. Enquanto isto, mesmo ao lado e no mesmo claustro, num daqueles canteiros circulares, procedia-se à cremação de um vulto feminino crucificado. Tudo acompanhado por danças, tipo Caretos de Podence e Tabuleiros aos trambolhões, transportados não se sabe por quem, nem como, nem para quê. Para queimar talvez.
O melhor será a Câmara solicitar ao cine clube, ou à empresa que contratou para exibir filmes, que exibam quanto antes O homem que matou D. Quixote em Tomar. Para os tomarenses poderem ser finalmente juízes, e perceber, com conhecimento de causa, quem prevaricou e quem tem razão. Quem procurou defender o Convento de Cristo e quem preferiu embolsar.
Haverá coragem para isso? Para tentar evitar que se repitam tais erros?
Afonso Gonzaga Paládio
O escrito já ia longo, o que levou a omitir outras acções condenáveis. Como por exemplo ter sido autorizada a alteração do aspecto exterior do Convento de Cristo, Património da Humanidade.
Por exemplo aquela torre gótica que se vê do lado direito da foto, é falsa. Foi feita em aglomerado de madeira só para as filmagens, e destruída logo a seguir. De forma que, a partir de agora, os visitantes mais atentos que tenham visto o filme, vão notar a falta e perguntar o que foi feito da torre.
Está mal!
Pois é, vossemecês não ganharam nada com o filme, está visto
Vomecê, Ana, não se enxerga, pois não? Se calhar porque a sua cabecita não dá para mais. E quem faz o pode, a mais não é obrigado.
Seguindo o seu pensamento (?), só não concordam com as filmagens aqueles que não ganharam nada com elas. É isso, não é? E com uma visão dessas, não tem vergonha de vir comentar aqui para o Tomar na rede? Ainda não percebeu que, do ponto de vista cívico e cultural, não vale um chícharo? Mas é muito tomarense, lá isso é. Há por aqui muita gentinha que pensa e age como você. Infelizmente.
Por isso tanto a cidade como o concelho estão cada vez melhor.
É um desprestígio para Tomar e para o país deixarem usar e abusar de monumentos, que fazem parte da nossa história. É uma vergonha que isto aconteça.
É um filme, de ficção. Não é um documentário sobre o Convento de Cristo ou os Templários.
Presumo que o autor desconheça que outros filmes foram filmados em Portugal, usando cenários portugueses, sem que a acção se passe no nosso país (ver “A Casa dos Espíritos” ou a serie “As Viagens de Gulliver”). Gostaria de ler a sua opinião sobre isso. Já agora, que pensa da utilização do Convento de Cristo como cenário num filme sobre a aparição de Lourdes?
Se não fosse a reportagem da RTP sobre as filmagens do filme de Terry Gilliam, ninguém dava por isso, tirando os trabalhadores do Convento, equipa do filme e os visitantes, a enorme maioria estrangeiros, (interrogo-me quantos residentes em Tomar visitam o convento, que seja uma vez por ano).
É falso que as filmagens tenham sido recusadas por monumentos em Espanha, tanto que a empresa de efeitos especiais contratada pela produção é espanhola, especializada em intervenções em monumentos e tem um extenso curriculo de produções feitas em Espanha.
De facto, a escolha de Tomar para as filmagens foi de Paulo Branco, o produtor português que foi preterido por Terry Gilliam e tinha – à altura das filmagens e da reportagem – um processo por direitos de autor do filme contra o realizador.
Mas não estou a afirmar que Paulo Branco pediu um favor à repórter da RTP. Foi total coincidência…
Por provar está também o resto da reportagem (apropriação de dinheiro dos bilhetes por pate de funcionários do Convento de Cristo, com o conhecimento da direcção). Mas isso são outros quinhentos.
A promoção internacional dada pelo filme é importantíssima.
Eu compreendo que algumas pessoas, inconscientes do valor promocional de uma película para o turismo – e consequentemente – a economia local, condenem o uso de algo como cenário para representar outros locais.
Espero que estejam conscientes da importância de uma série como Guerra dos Tronos para a promoção turística de todos os locais onde foi filmada.
Em vez de aproveitarem as poucas coisas boas que acontecem a Tomar, são os primeiros a deitar abaixo e ainda dizem que é em defesa dos interesses tomarenses.
Outra coisa, julgar a qualidade de um filme é mais complexo do que avaliá-lo pelo nosso compasso de bom senso ou bom gosto. É longo e chato? Gostaria de ler a sua análise à obra cinematográfica de Manoel Oliveira, por exemplo, só para poder perceber a sua visão sobre o que é cinema dinâmico e rechonchudo, tipo sardinha.
Também gosto particularmente da alegação que os cavalos poderiam transmitir tétano equino e que a escadaria para a Charola deveria ter sido desinfectada. Espero que tenha esse mesmo cuidado durante os cortejos na cidade, como o do Mordomo – na Festa dos Tabuleiros – ou do Círio de N. Sra da Piedade. Anseio por o ver atrás da procissão com um aspersor a desinfectar as ruas. Afinal, se é a preocupação é real para uns, terá de a ser também para os outros.
Olhe sr. Crispim, não estando de modo algum em causa a sua probidade e respeitabilidade, uma vez que manifesta incómodo por eu ter escrito que o filme é comprido e chato, considero que seria pura perda de tempo, tanto para mim como para os eventuais leitores, tentar contestar a sua restante prosa.
As coisas são o que são, ponto final.
Realmente, o cerne do meu comentário até é esse…
Mas folgo em saber que vocelência acusa o toque.
Continuo à espera que o emérito contribuidor desta folha de couve digital se digne a responder ao resto.
E aceita o repto de recolher a poias dos cavalos nos cortejos maiores da tradição nabantina, ou vai ficar escondido atrás de um pseudónimo para que não se saiba quem é?