
A câmara de Tomar está a ser alvo de críticas por parte de alguns encarregados de educação por causa dos horários das Atividades de Enriquecimento Curricular (AECs) que coincidem com os períodos curriculares obrigatórios, ou seja, durante as aulas normais.
Para os encarregados de educação, esta sobreposição de horários “gera graves transtornos às crianças, famílias, e até aos professores titulares”.
Mas as críticas não se ficam por aqui. Lamentam que “as opiniões dos pais e encarregados sejam tidas como pouco mais do que meramente formais, sem peso real nas decisões” e que haja “um sentimento de desvalorização do papel da família, como se as necessidades e direitos das crianças e dos pais não fossem uma prioridade”.
Sobre este problema, Marta Domingues publicou uma Carta Aberta em defesa da “Garantia dos Direitos das Crianças e Respeito ao Papel da Família na Organização das AEC’s”.
Carta Aberta: Garantia dos Direitos das Crianças e Respeito ao Papel da Família na Organização das AEC’s
Exmo. Senhor Presidente da Câmara Municipal de Tomar,
Exmas. Senhoras e Senhores cidadãos interessados na defesa dos direitos das crianças,
Senhoras e Senhores,
Venho, na qualidade de encarregado de educação, endereçar-vos esta carta aberta, não com espírito de confronto, mas com a firme convicção de que somos todos corresponsáveis por zelar pela qualidade do ensino, pelo respeito aos direitos das crianças, e por uma relação de cooperação verdadeira entre famílias, escola e município. Temos vindo a assistir, com crescente preocupação, à prática de se colocarem as Atividades de Enriquecimento Curricular (AECs) a decorrer durante o período IPCC (ou seja, no tempo destinado ao ensino regular ou em períodos que deveriam ser de instrução obrigatória, de acordo com os horários previstos). Como já é do vosso conhecimento há alguns anos, esta ocorrência, gera graves transtornos às crianças, famílias, e até aos professores titulares.
Esta semana, tive o privilégio de me poder sentar numa reunião entre todas as partes relevantes, e apesar de haver algum progresso, a posição que transparece, sobretudo dos responsáveis do município e de certas associações, continua a ser, de desrespeito absoluto pela lei, e pelos direitos das crianças e famílias.
Creio, então, que esta carta, aberta, é fundamental, como é fundamental relembrar, os fundamentos legais, constitucionais e normativos que justificam o apelo geral, para que esta prática cesse, ou pelo menos seja revista de modo a respeitar plenamente os direitos das crianças e das famílias.
- Constituição da República Portuguesa
O artigo 69.º, “Infância”, consagra que “As crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral”.
O artigo 70.º, “Juventude”, refere que os jovens gozam de proteção especial para efetivação dos seus direitos económicos, sociais e culturais, nomeadamente no ensino e no aproveitamento dos tempos livres.
O artigo 73.º, “Educação, Cultura e Ciência”, assegura que todos têm direito à educação e garante igualdade de oportunidades de acesso e sucesso escolar.
(Poderíamos continuar, mas deixo estes a título de exemplo.)
- Lei de Bases do Sistema Educativo
(LBSE) e legislação complementar O sistema educativo em Portugal compreende a educação pré-escolar, a educação escolar e a educação extraescolar, esta última devendo articular-se com a família. O Decreto-Lei das AECs, e os normativos que regulam as AAAF (Atividades de Animação e Apoio à Família), CAF (Componente de Apoio à Família) e AEC, preveem que as atividades de enriquecimento curricular são facultativas e de natureza lúdica, formativa e cultural, devendo respeitar os horários das componentes curriculares obrigatórias. Existe também um parecer do Ministério Público / Procuradoria-Geral da República que reforça que essas atividades quando promovidas por autarquias ou associações devem obedecer às diretrizes dos órgãos da escola, ao plano educativo e ao regulamento interno, sob supervisão do conselho pedagógico e do diretor do agrupamento/escola.
- Direitos das Associações de Pais A Lei n.º 29/2006: as associações de pais têm, entre outros, o direito de “pronunciar-se sobre a definição da política educativa” e de “solicitar junto dos órgãos da administração central, regional e local as informações que lhes permitam acompanhar a definição e a execução da política de educação”. Isto pressupõe que decisões que afetem natureza, horário e funcionamento das AECs, principalmente se implicam alterações nos horários de saída ou organização das crianças, devem contar com participação efetiva dos pais/encarregados de educação, e em tempo útil, algo que foi garantido para o próximo ano letivo, mas que teve que ser “forçado” até agora.
Na reunião recente entre representantes de pais, dignos representantes do município e dignos dirigentes associativos, apesar de algum progresso, continuou a ficar evidente que:
- As opiniões dos pais e encarregados são tidas como pouco mais do que meramente formais, sem peso real nas decisões;
- As consequências práticas para crianças e famílias (preocupações sobre o bem-estar escolar e segurança das crianças, assiduidade de técnicos, alterações de horários, dificuldades logísticas, equilíbrio trabalho/família/escola) não são devidamente consideradas ou mitigadas;
- Existe um sentimento de que há uma desvalorização do papel da família, como se as necessidades e direitos das crianças e dos pais não fossem uma prioridade.
Quando as AECs entram em conflito com o horário regular obrigatório da escola ou com períodos já fixados, deixam de ser uma oferta de enriquecimento para se tornarem para além de obrigatórias, fonte de instabilidade, injustiça e até discriminação, o que se vai refletir mais gravemente, nas nossas crianças e no seu direito absoluto a um desenvolvimento saudável.
Tal situação coloca-se não só como desrespeito pelas normas legais, mas como potencial violação dos direitos das crianças à segurança, à previsibilidade, ao respeito pela sua vida familiar, e ao direito de todo o sistema educativo funcionar de forma transparente e cooperativa.
Face ao exposto, solicito respeitosamente:
- Que se reveja de imediato a prática de realizar AECs durante o período IPCC, garantindo que as AECs sejam programadas apenas fora dos períodos curriculares obrigatórios, respeitando os horários letivos previamente definidos e comunicados.
- Que a Câmara Municipal, as Associações, e as Escolas promovam mecanismos claros e vinculativos de consulta e participação dos encarregados de educação antes de mudanças de horários ou da organização das AECs, com prazo adequado para análise e adaptação.
- Que se promova formação ou sensibilização entre dirigentes autárquicos, ou outros relevantes sobre os direitos das crianças e das famílias, para que sejam respeitados, não apenas na teoria, mas na prática, e como prioridade.
- Que as decisões futuras sejam comunicadas com antecedência suficiente para que as famílias possam ajustar a sua gestão familiar.
Quero acreditar que existe boa-vontade de todos os intervenientes – da autarquia, das escolas, das associações – para encontrar soluções que respeitem tanto as necessidades da escola (organizacionais, pedagógicas, funcionais) como as necessidades das famílias e, acima de tudo, os direitos das crianças.
Porquanto, ainda vivemos num Estado democrático de Direito, em que ninguém está acima da Constituição, nem das leis, nem do respeito mútuo.
As crianças têm direitos garantidos que não são pendentes de circunstâncias administrativas ou de conveniência.
E as famílias têm direito a que esses direitos sejam respeitados de forma séria, transparente e justa, para todos.
Agradeço a vossa atenção e espero que possamos, em conjunto, construir um modelo de AECs e de apoio à família que seja exemplar, que respeite a todos e que demonstre, concretamente, que valorizamos coletivamente o papel dos pais e os direitos das crianças.
Com consideração e na esperança de garantias rápidas,
Um Encarregado de Educação que considera abdicar da “qualidade da educação no Município de Tomar”, em prol da garantia de direitos constitucionais






