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Será que é isto que deve ser o Desporto?

Opinião de Luís Graça*

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Que sociedade e que adultos temos no presente, que contribuem negativamente para a personalidade dos adultos do futuro?

 

O Basket Club de Tomar organizou no dia 22 de fevereiro, no Pavilhão D. Nuno Álvares Pereira, em Tomar, o encontro de Basquetebol “Sábado Há Minis”, promovido pela Associação de Basquetebol de Santarém.

Para quem não sabe, o “Sábado Há Minis” é uma iniciativa da Associação de Basquetebol de Santarém, destinada aos escalões de Mini 8 (3×3) e Mini 10 (4×4), que visa promover a modalidade de Basquetebol, num espírito de convívio, entre equipas e jovens.

Nos jogos (disputados em 3 períodos de 8 minutos) não são contados os pontos marcados pelas equipas e, no final, vencem todos, especialmente quando dali saem com bons ensinamentos: promoção da autoestima, valores da ética, fair-play, honestidade, respeito pelas regras e pelos adversários, coragem, sensibilidade e solidariedade.

Este é o espírito do “Sábado Há Minis” e este deve ser o espírito do Desporto.

Não apenas no Desporto jovem, naturalmente, mas é enquanto se é criança e jovem que nós, adultos, podemos moldar personalidades e transmitir valores para toda a vida, sejam eles (os valores) bons… ou maus.

Apesar de não existir a contagem dos pontos nos jogos, não deixam de existir regras. Na verdade, estamos na presença duma modalidade desportiva (olímpica!) e é logo no início da prática do Basquetebol que têm de ser incutidas e implementadas regras.

 

Desde a presente época desportiva, 2024/2025, que existem 2 clubes a desenvolver a modalidade de Basquetebol em Tomar:

O Basket Club de Tomar (BCT), que já existe há 8 anos (e que deu continuidade à Secção de Basquetebol do Núcleo do Sporting Clube de Portugal em Tomar), e o Sport Club Operário de Cem Soldos (SCOCS) que, em menos de 6 meses de atividade, é já o 4º clube do distrito de Santarém com mais atletas filiados na Federação Portuguesa de Basquetebol.

Esta realidade de existir mais do que um clube a desenvolver uma mesma modalidade no mesmo concelho, acontece um pouco por todo o lado e em Tomar, para além do Basquetebol, isso também acontece no Atletismo, no Futebol, no Judo, na Ginástica, no Hóquei em Patins, na Natação, na Patinagem Artística, no Futsal, entre outras modalidades.

A rivalidade entre clubes, quando cultivada de forma correta, pode ser benéfica para todas as partes. A existência de mais do que uma oportunidade de escolha (seja para os praticantes ou para os pais dos mesmos), permite não ter de ficar “agrafado” a um clube ou a pessoas com que não se identificam e/ou onde não consigam alcançar os seus objetivos, podendo igualmente praticar a modalidade que mais se gosta.

O problema começa quando uma das partes não aceita a existência de um outro clube a desenvolver a “sua” modalidade no “seu” território…

 

Até ao “Sábado Há Minis”, de 22 de fevereiro, não tinha havido ainda a oportunidade de as duas equipas tomarenses “medirem forças” entre si. Não que isso deva ser colocado como um facto importante mas, no Desporto, seja qual for a modalidade, um “derby” é sempre um “derby”… e, para os jogadores, isso acaba por provocar um elevado estado de motivação que, muitas vezes, leva-os a superam-se acima daquilo que fazem com outras equipas.

Mais cedo ou mais tarde um “derby” do Basquetebol tomarense iria acontecer e foram as equipas do escalão Mini 8 a terem esse privilégio, escalão onde joga o meu filho, na equipa do SCOCS.

Como pai, e profissional na área do Desporto, tenho a constante preocupação de transmitir os melhores valores ao meu filho. O Desporto é uma escola de vida e preocupa-me muito mais que o meu filho seja treinado por alguém que lhe possa transmitir aquilo que há de melhor no Desporto, do que vê-lo a marcar cestos a cada tentativa que faça.

Com apenas 8 anos de idade, o meu filho já sabe respeitar os adversários, cumprir as regras de jogo e trabalhar em equipa. Anda no Basquetebol pelo convívio com os colegas e diverte-se imenso. Adora a sua Treinadora e sente-se motivado no seio da equipa que representa.

É competitivo por natureza, mas sai do campo igualmente com um sorriso, independentemente se a sua equipa marcou mais ou menos pontos que a equipa adversária. Uma vez que, como já referi atrás, não é feita a contagem dos encestamentos, muitas das vezes termina os jogos sem ter a certeza se teria vencido ou perdido os encontros.

Mas… (e talvez tenha herdado essa característica do pai…) não suporta as injustiças e faz-lhe imensa confusão que alguém possa recorrer a ilegalidades com o intuito de vencer “jogos a feijões”…

É impressionante que haja adultos a querer “vencer” jogos a todo o custo e, apesar de se tratar de jogos onde os pontos obtidos não contam para rigorosamente nada, tudo fazem para sobressair, não olhando a meios para atingir os seus fins.

 

Num jogo de Mini 8, como facilmente se entenderá, podem jogar crianças até aos 8 anos de idade. Neste caso, podem jogar crianças que tenham nascido em 2017 ou posteriormente. Ou seja, uma criança que tenha nascido em 2016, já não pode jogar no escalão de Mini 8 e terá de jogar no escalão Mini 10. Esta é uma das regras impostas pela Federação Portuguesa de Basquetebol e, quem não consegue (ou não quer…) cumprir uma regra tão simples, certamente que não está de boa-fé.

No jogo com a equipa do SCOCS (que tem jogadores entre os 5 e os 8 anos), o Basket Club de Tomar utilizou uma jogadora do escalão de Mini 10, jogadora essa que, pelas regras, não pode jogar no escalão Mini 8.

Estes jogos, mesmo que sendo “a feijões”, não são o equivalente a estarem a jogar no recreio da Escola. Os mesmos estão sobre alçada duma federação desportiva e, como tal, as regras não podem ser feitas à medida de conveniências ou com o intuito de satisfazer egos inflamados.

O respeitar os adversários (clubes/equipas) e os jogadores que estão em campo, cumprindo com aquilo que a federação estipula, é o mínimo que cada responsável das equipas deve saber fazer.

 

Porque, mesmo em “jogos a feijões”, não posso admitir que alguém se ache acima de tudo e de todos, a meio do 2º período dirigi-me à Treinadora da equipa do BCT e perguntei-lhe o porquê de estar a utilizar uma atleta do escalão Mini 10 que, pelas regras da Federação Portuguesa de Basquetebol, não lhe é permitido participar em jogos do escalão Mini 8.

A senhora treinadora respondeu-me que nada a impedia de utilizar a jogadora em causa e que não a iria tirar de campo, pois estava a fazer aquilo que tem feito em todos os jogos e que não achava que isso seja incorreto.

Tentei explicar à senhora que, se a jogadora é do escalão Mini 10… obviamente que não pode jogar com jogadores do escalão abaixo do seu. Pode, por exemplo, jogar numa equipa de Mini 12, pois as regras permitem que jogue no escalão acima, mas jamais poderá integrar uma equipa de Mini 8.

Após a minha conversa ter “caído em saco roto”, um dos responsáveis da Seção de Basquetebol do SCOCS abordou a presidente da Direção do BCT, senhora Sofia Santos, questionando-a do porquê de estarem a utilizar indevidamente aquela jogadora. A falta de consideração foi idêntica e a resposta mais ou menos isto: “Se quiserem… queixem-se à Associação de Santarém”.

Quando assim é, quando as pessoas acham que pode valer tudo, só para terem o prazer de ver a sua equipa a encestar mais vezes do que a outra equipa do seu concelho… não há muito a dizer…

 

Para quem possa não ter a noção da realidade, num jogo em que cada equipa é composta por apenas 3 elementos, uma das equipas ter uma jogadora do escalão acima, mais desenvolvida física e tecnicamente, mais alta (numa modalidade em que a altura é fundamental) e com mais força do que qualquer elemento da equipa adversária, torna-se numa “luta” desigual e injusta.

O que ainda é mais ridículo é que o BCT tem 7 (sete) jogadores filiados do escalão Mini 8 (está nesta ligação, para quem quiser confirmar: https://www.fpb.pt/atletas/clube_3367/).

Ou seja, ao utilizarem ilegalmente uma jogadora do escalão superior, em 20 (vinte!) dos 24 minutos de jogo, não cumpriram um dos princípios do Mini Basquetebol, onde deve ser dada igual oportunidade a todos os elementos da equipa, de modo a que todos possam ter os seus momentos de jogo e poderem evoluir.

 

Como se tudo isto não bastasse, e apesar da injustiça e falta de consideração promovidas por pessoas adultas, que parecem estar um pouco desfocadas daquilo que deve ser a realidade do Desporto, no final do jogo todos os elementos da equipa do SCOCS (jogadores e equipa técnica) perfilaram para cumprimentar os elementos da equipa do BCT. É uma prática corrente na modalidade de Basquetebol, no final dos jogos as equipas fazerem duas filas e caminharem na direção uma da outra, para se cumprimentarem.

É muito triste que, numa altura em que as crianças do BCT já se preparavam para cumprimentar os seus colegas do SCOCS (sim… alguns andam nas mesmas escolas), tenha havido adultos a ordenar para se retirarem rapidamente do campo de jogo, não lhes permitindo a saudação final.

A treinadora do Basket Club de Tomar, Suzanne Micheline de Sousa Pitois, militar de profissão que, em 2019, foi condecorada com uma medalha das Nações Unidas, pelo seu desempenho numa força de paz na República Centro-Africana, faz acreditar que, no Basquetebol em Tomar, a sua intenção de promover a paz será um pouco diferente…

Não sabemos se essa será uma vontade sua ou se apenas estará a cumprir ordens de quem dirige o clube… mas, seja o que for, é demasiado triste e não abona nada em prol daquilo que todos deveriam viver no Desporto.

 

Voltando ao meu filho, uma criança extremamente alegre por natureza, saiu do Pavilhão a chorar compulsivamente e a dizer: “Não é justo… aquela menina é maior que nós e não pode jogar no nosso escalão.”

O meu filho chorou por não conseguir marcar tantos pontos como gostaria?! Chorou por ver a outra equipa a marcar mais pontos que a sua?!

Claro que não!

Chorou porque já tem um grande sentido de justiça e não gostou de ver que houve adultos a não respeitarem as regras que TODOS têm de respeitar.

 

Ao sairmos do Pavilhão, e perante os exuberantes festejos promovidos por uma treinadora que mais parecia ter acabado de vencer um campeonato nacional… mais um desabafo do meu filho (em tom baixo e apenas falando para mim):

– “Não gosto de pessoas desumildes.”

Dei-lhe um aconchego, mas fiquei calado. Isoladamente, refleti: “É reconfortante ver que uma criança de 8 anos já tem capacidade para dar lições de ética e moral a quem não as tem, nunca teve ou preferiu deixar de ter.”

 

Convém que tenhamos (todos!) a noção de que organizar um evento “Sábado Há Minis” é algo completamente diferente de organizar um jogo de “Solteiros contra Casados”…

O Pavilhão D. Nuno Álvares Pereira é propriedade da Câmara Municipal de Tomar e não do BCT. Foi cedido pelo Município e o evento apoiado pela Câmara Municipal. É importante que a Câmara Municipal (o seu Executivo) tenha conhecimento daquilo que ali aconteceu. Este tipo de comportamentos e atitudes NÃO DIGNIFICAM a cidade e o concelho de Tomar.

 

Quando temos pessoas, com responsabilidade na formação de jovens desportistas, a promover exatamente o oposto daquilo que deve ser o Desporto… há que refletir muito bem e perceber o impacto negativo que as suas atitudes podem ter nos jovens que (des)orientam.

Enquanto houver pessoas a promover a desonestidade e o ódio entre adversários, enquanto houver pessoas a achar que podem desrespeitar regras impostas por uma federação desportiva, enquanto houver pessoas a achar que podem utilizar todos os meios para atingir os seus fins, mesmo que em “jogos a feijões”, jamais me calarei.

 

Como pai, tomei a liberdade de contactar o Prof. José Monteiro, Diretor Técnico da Associação de Basquetebol de Santarém, questionando-o sobre a legalidade, ou não, de se utilizarem jogadores mais velhos em escalões inferiores.

Deixo aqui a sua resposta:

“Os Sábados há Minis são jornadas de Convívio INFORMAL entre os jovens…onde não há boletins de jogo… resultados… etc.

Mas… TODOS os clubes devem respeitar nas suas equipas os respetivos escalões etários não apresentando atletas de escalão superior…”

Se alguém tinha dúvidas, ficam aqui desfeitas.

 

As palavras que aqui deixo, não são escritas ao acaso.

NUNCA esteve em causa, nem estarão, os resultados desportivos. O que está em causa é a verdade desportiva e aquilo que se transmite às crianças. Essa é a minha única preocupação.

 

A imagem que escolhi para ilustrar este meu texto não é do Basquetebol, mas é inteiramente demonstrativa daquilo que deve ser o Desporto.

Cristiano Ronaldo e Lionel Messi, adversários ao mais alto nível mundial, que durante vários anos jogaram em clubes rivais, sempre souberam respeitar-se mutuamente, independentemente de objetivos desportivos pessoais ou coletivos.

A mediocridade de comportamentos adultos NÃO PODE prevalecer na educação das crianças.

Somos nós, adultos, que podemos construir uma sociedade melhor.

O Desporto é muito mais do que aquilo que acontece dentro do terreno de jogo.

 

Luís Graça (*)

(*) Pai do jogador do Sport Club Operário de Cem Soldos, Luís Manuel Godinho da Graça, nascido a 24-01-2017 (escalão Mini 8), portador da licença da Federação Portuguesa de Basquetebol com o número 300141.

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