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“Nesta rua vive um artista” e chama-se Eduardo

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Aos 66 anos, Eduardo Pereira realiza a sua primeira exposição onde mostra cerca de 20 dos seus desenhos. A exposição foi inaugurada no dia 22 na Galeria Pardelhas em Tomar, no âmbito do Festival Zero, e pode ser visitada até dia 12 de novembro.

Eduardo Manuel Ruivo Pereira nasceu em Vargos, Freguesia de Vila do Paço, concelho de Torres Novas, a 1 de julho de 1956. Vive desde muito novo em Tomar onde logo aos nove anos começou a aprender o ofício de carpinteiro até a sua reforma foi esta a sua profissão.

O gosto pelo desenho apareceu muito cedo e tinha o sonho de ser arquiteto.

A vida levou-o por caminhos diferentes mas o prazer de desenhar acompanhou-o a vida toda. Nas horas livres desenha e pinta a lápis de cor aquilo que o motiva, a sua terra natal e a cidade onde vive, por exemplo, a capela de Santa Ana nos Vargos, a igreja de Moreiras Grandes, a torre da igreja de S. João Baptista, a Charola do Convento de Cristo, Santa Iria ou a Janela do Capítulo. Tudo pintado ao pormenor e em escala. Aliás Eduardo cria o seu próprio papel milimétrico para os seus desenhos.

Se passar pela rua Pedro Dias e espreitar numa das janela do rés-do-chão, lá está Eduardo Pereira no seu estirador a fazer aquilo que mais gosta: pintar.

A simplicidade da sua arte corresponde à sua maneira de viver, simples e humilde. Para mitigar a sua solidão, conta com o apoio de voluntários do projeto CLDS-4G de Tomar, que o visitam e acompanham.

A seguir transcrevemos um texto publicado na revista Aproximar (setembro de 2022) da equipa CLDS-4G de Tomar.

Nesta rua Vive um artista

Conheci o Eduardo há mais ou menos quatro anos e meio na Igreja de São João, que frequento diariamente e o Eduardo também frequentava.

Nós, eu e o Padre Mário, apercebemo-nos de que ele era um homem solitário porque ia sempre sozinho. Por vezes parecia-nos triste. Por isso abeirei-me dele e começámos a conversar. O Eduardo abriu-se logo comigo. Ele já tinha falado antes com o Padre Mário. Contou-me que tinha dois filhos; que o mais novo de vez em quando liga-lhe ou aparece: preocupa-se com o pai. Quanto ao outro filho, é mais distante: inclusivamente o Eduardo não conhece o casal de netinhos que sabe que tem e ama apesar das circunstâncias.

Em criança o Eduardo tinha um grande sonho, que era vir a ser arquiteto. Mas fez apenas a terceira classe do ensino primário e aos 9 anos começou a trabalhar para ajudar a sustentar a família de 9 irmãos.

Foi um bom carpinteiro e agora arranjou um hobbie que consiste em desenhar e pintar. A par disso vai fazendo outros trabalhos, sobretudo em madeira, como terços gigantes e reproduções à escala da Roda do Mouchão.

Só que por vezes, à falta de dinheiro para comprar um maço de tabaco, algumas pessoas aproveitam-se e a troco de uns míseros 5€ levam uma obra de arte que, além do valor dos materiais, pela especificidade, detalhe e morosidade do processo usou de muitas dezenas ou centenas de horas de trabalho. Tudo nas mãos sábias deste homem é feito à escala do objeto modelado. Acho-o um homem bom, humilde, sensível. As emoções afloram facilmente, o choro embargando a voz ou derramando-se em lágrimas. Costumamos falar de muitas coisas da vida. O Eduardo não pede nada em troca, apenas gosta de ser ouvido. Ele tem ainda um outro sonho, o de encontrar uma companheira.

Gosta de receber visitas, de partilhar saberes de outros tempos.

Num movimento de aproximação do nosso Grupo ao Eduardo, deslocámo-nos ao seu estúdio-habitação sob o pretexto de uma entrevista. Fomos acolhidos de braços abertos, emocionando-se algumas vezes durante a conversa.

Está entusiasticamente expectante com a exposição dos seus trabalhos, que irá decorrer de 22 de outubro a 12 de novembro próximos ali mesmo nas Galerias Pardelhas, seus vizinhos da frente, assim intitulada “Nesta Rua Vive Um Artista”. Duas senhoras estão a tratar de tudo, o Eduardo/Sr. Eduardo (consoante o nível de intimidade de co-entrevistador(a)) só pinta!

Contou-nos como tomou a dolorosa decisão de sair da escola e começar à trabalhar aos 9 aninhos de idade, ao ouvir a Dona Céu, sua professora primárias dizer para a sua mãe: Dona Maria do Rosário, o seu filho tem tanto jeito para desenho e pintura que deve continuar a estudar após o ensino obrigatório; a que esta terá respondido que tinha 9 filhos para criar. Mal terminou a então 3ª Classe pegou na bicicleta do pai e foi pedir trabalho.

Foi aceite à primeira, e ao longo do resto da vida, por conta de outrém ou mesmo por conta própria, nunca mais necessitou de pedir trabalho Talvez por ser conhecido e referenciado pela qualidade dos seus serviços, na maior parte das vezes eram os patrões a virem procurá-lo para algum serviço que o respetivo funcionário encarregue não sabia ou não queria aprender a dar conta do recado.

“Ele tem uma letra tão bonita! É desenho! É linda a letra!”

“Paciência é o principal que eu tenho”. “Tem de ter, para o trabalho que ele faz.”

Abandonar o sonho de vida que acalentava em criança de vir a ser um arquiteto, um engenheiro ou um desenhador foi doloroso e difícil. No entanto hoje sente um grande orgulho pela decisão e pela atitude então tomadas e de certa maneira hoje está a recuperar esse sonho. No diálogo, salientou-se que afinal não foi um sonho perdido mas apenas interrompido durante muito tempo: nunca é tarde para recomeçar.

Refere estar solitário há quase 3000 dias, mais concretamente 2980 dias no dia do nosso encontro que foi no passado dia 8 do corrente mês de setembro (do ano de 2022): então fazia 2980 dias de solidão segundo oEduardo, solidão essa presente na vivência e no discurso.

Conta-nos também da enorme influência positiva da música do pequeno aparelho de rádio sobre o seu trabalho e sobre a sua capacidade de continuar a produzir pela noite dentro acordado, ou mesmo durante o dia já aconteceu continuar a trabalhar mesmo quando tinha outros projetos como de ir tomar banho para sair e fazer alguma coisa já programada quando a tal música especial acontece. Sobretudo quando começam a tocar os Scorpions; isso toca-lhe a fundo na alma e manifesta-se no corpo, ele sente como que uma coisa no tronco subindo do abdómen pelo peito preenchendo tomando como que possuindo-o. Então ele senta-se ali ao estirador do seu local de trabalho e continua o serviço por horas a fio. A última vez terá acontecido por volta das 2:00 ou 2:30 da manhã, começaram a tocar os Scorpions e ele esteve até às 6:30 prolongando o serviço. Ele diz que não são só os Scorpions a produzir esse efeito, que atrás dos Scorpions vêm outras coisas, outros sons que lhe evocam antigas memórias agradáveis musicais e que essas músicas que vêm a seguidamente ajudam a prolongar o seu estado de transe.

Pediu-nos algumas vezes licença para “molhar a palavra”, como ele diz sorvendo impercetível golinho da taça de vinho tinto que já se encontrava. sobre a mesa, bem atrás da sua cadeira de trabalho antes da nossa chegada.

Casou duas vezes a primeira das quais durou 14 anos, “14 malditos anos” como ele diz, foi uma desgraça completa. Enganou-se. Atribui inclusivamente a aquisição do vício do tabaco à péssima influência da primeira ex-esposa.

O segundo casamento, que vigorou durante 20 anos com início em 1994 foi muito divertido de parte a parto. Os dois, o Eduardo e essa segunda esposa — eram brilhantes dançarinos – e outra paixão do Eduardo, a dança. O casal saía muito para praticar a dança, frequentavam discotecas e bailaricos – tudo onde pudessem dançar e divertir-se.

Agora encontra-se ainda de luto relacional sobre o fim deste último e prolongado consórcio. Já vai para mais de 8 anos, estes 2980 dias.

“Sente a falta de uma companheira com quem possa ter um diálogo íntimo diário, É essa sobretudo a necessidade que o Eduardo diz que lhe falta preencher, a falta da possibilidade de existir um diálogo permanente, diário, íntimo com uma só pessoa. O Eduardo tem agendada uma consulta médica para o próximo dia 14 de fevereiro do próximo ano de 2023, que por cá é Dia Dos Namorados. E ele diz com um sorriso animado que tem que levar consigo uma namorada Nessa data.

Tem vontade de deixar o tabaco e o respetivo vício. Acha que é mais difícil do que deixar a bebida. Recorda para nós uma velha frase de um médico de Coimbra com uma fórmula que este clínico lhe terá transmitido durante uma consulta: “Tabaco + Bebida = Morte”.

Conta-nos ainda com uma profunda Gratidão que foi muito bem tratado durante um internamento recente no hospital de Tomar, tendo recebido inclusivamente uma atenção especial que muito o tocou, por parte de uma jovem enfermeira.

Aconteceu num momento de um dia mais difícil para o nosso Eduardo. Momento esse que não terá escapado à sensibilidade da jovem profissional.

Partilha ainda connosco uma máxima que é: “Devemos ter sempre a casa arrumada, nunca sabemos quando é que temos visitas!” referindo-se à nossa “casa” interior, o Coração; e as “visitas” referem-se aquela especial visita de quem nunca estamos à espera que dá pelo nome de “Morte”, “Dona Morte”

Afirmou-nos ter um conceito prévio excelente acerca do nosso Grupo e do nosso Projeto por vir da parte de quem vem, da Conceição, que ele considera uma pessoa extraordinariamente boa, excecional (e também bonita diz com sorriso, no que foi aplaudido e secundado pelos restantes entrevistadores. Gostou também da Dra. Maria João com quem já se havia encontrado previamente, e do Arlindo que acabara de conhecer.

Na despedida houve uma troca de agradecimentos mútuos. No final o Eduardo estava muito feliz e prontificou-se a receber de novo as nossas visitas mesmo correndo o risco de lhe interrompermos alguma sequência musical mais marcante.

Posteriormente já foi contactado no sentido de uma integração oficial no nosso Projeto de Voluntariado e está entusiasmado com essa perspetiva.

Conceição Graça e Arlindo Silva

Revista Aproximar (setembro de 2022)

Equipa CLDS-4G de Tomar

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