
Renato Nunes, jovem escritor de 15 anos, que em julho lançou o seu primeiro livro, já tem um novo projeto literário em preparação, intitulado Fendas na Escuridão.
Natural do Freixo, uma pequena aldeia do concelho de Tomar, Renato passou para o 9.º ano na Escola Básica Gualdim Pais. Ao longo do seu percurso escolar, tem-me destacado pelo seu empenho e dedicação, tendo recebido três diplomas de mérito académico, um de mérito artístico e dois de mérito cultural, reconhecimentos que o enchem de orgulho. Também frequenta a rádio Templários.
A 13 de julho, dia do seu 15º aniversário, perante dezenas de convidados lançou o livro “A Jornada da Minha Vida”.
O novo livro, “Fendas na Escuridão”, segundo o autor “aborda temas difíceis e atuais, relacionados com a invisibilidade social, a solidão e a luta silenciosa daqueles que crescem à margem de uma sociedade que nem sempre os reconhece ou acolhe. É um retrato cru e honesto das feridas que não se veem, mas que marcam profundamente”.
Primeira página do livro, intitulada “A Última Carta”, que o autor revelou na íntegra, “para que possam compreender o impacto e a profundidade do conteúdo”.
“A Última Carta” – Livro Fendas na Escuridão
Querido diário, ou quem quer que se atreva a ler estas linhas que tremem nas pontas dos meus dedos, escrevo-te com um corpo exausto, com uma alma que se desfaz aos pedaços, talvez pela última vez.
Há dias em que quero desaparecer, sumir no vazio onde o mundo não possa tocar-me, deixar de ser essa sombra trémula que luta contra o invisível, contra um mundo que me esquece, que me empurra para o lado, um mundo que não quer saber do meu nome.
Falam de direitos como se fossem estrelas para todos, mas eu nasci à sombra desses astros, num espaço onde as regras foram feitas para outros, onde a liberdade é um eco distante, uma promessa vazia que se desfaz nas mãos.
Esta sociedade que fala alto, que julga, que condena, que fecha os olhos, que fecha os ouvidos, que fala sem ouvir, que julga sem conhecer, uma máquina fria que engole os que não se conformam, que silencia os que ousam gritar.
Chamam-me ingrato, chamam-me fraco, mas não sabem o que é crescer com o peito partido, com a alma rachada pelo peso invisível do não pertencimento, com os sonhos desfeitos em bocados tão pequenos que ninguém os vê.
Sorrio para esconder o grito que me dilacera por dentro, para que ninguém perceba o silêncio que me corrói, as lágrimas que tento esconder, que tento prender.
Por dentro, sou ruína. Ruína que esta sociedade varre para baixo do tapete, ruína que passa despercebida entre os que fingem não ver.
Hoje sentei-me à sombra de um muro florido, exausto não no corpo, mas na alma, cansado de ser forte quando sinto a fragilidade a corroer-me, cansado de engolir o grito que devia ser berrado até partir.
Vi flores a crescer entre pedras, flores que resistem, que desafiam, que persistem, e perguntei-me se algum dia teria essa coragem, se algum dia conseguiria florescer neste chão árido.
Talvez eu consiga, mesmo quando o mundo tenta arrancar-me as raízes, mesmo quando a dor é o único lugar onde me sinto inteiro.
Nunca esquecerei que há miúdos como eu, que crescem sem direito ao espanto, sem direito ao erro, sem direito ao próprio nome.
A dor que carrego não é só minha, é um grito silencioso, uma história que esta sociedade prefere esquecer, um corpo que se agarra à vida, mesmo quando tudo quer apagá-lo.
Enquanto eu existir, escreverei, porque talvez as palavras sejam o único grito que este mundo aceita ouvir.
Hoje é o meu último dia de vida.
Mas se estas palavras chegarem até ti, sabe que mesmo na escuridão mais profunda, há sempre uma fenda, uma fresta, uma fenda pela qual a luz insiste em entrar.
Talvez, alguém esteja a caminho, para ouvir finalmente o que esta sociedade nunca quis escutar.
