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Gentes de Tomar e as suas histórias de vida

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A página “Nós nos Outros” do Facebook publicou várias histórias de vida de pessoas de Tomar. São textos escritos na primeira pessoa que relatam com sensibilidade o percurso de gente anónima que, dia a dia, luta pela vida enfrentando as suas dificuldades.

Uma das entrevistadas é a D. Maria José, a vendedora de castanhas da Praça da República em Tomar:

A CÉU ABERTO

“Tenho quase 53 anos de uma vida vivida com dificuldades. Nasci numa família tão pobre – a minha mãe do Fundão e o meu pai alentejano – que fui posta num colégio interno pois a minha mãe, com sete filhos, não podia tomar conta de nós. Passámos muita fome. Ninguém imagina o sofrimento da minha mãe, pedindo esmola para nos dar de comer.

Os primeiros 5 filhos foram do meu pai, só que ele não existia na nossa vida. A miséria era tal que ele fazia-lhe os filhos, embebedava-se e dava-lhe pancada. Não tive um pai, porque aquele homem nunca foi pai.

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Vivi no colégio dos 8 aos 15 anos, mas só fiz a 4ª classe. Entretanto, a minha mãe veio a juntar-se com um senhor que vivia na Holanda. Ele foi o pai de um dos dois filhos que ela ainda veio a ter. Nessa idade, o meu padrasto veio buscar-nos – a mim e a uma irmã – e levou-nos para a Holanda, onde acabei por viver 16 anos. Aquele homem foi a única pessoa que mostrou alguma preocupação por nós. Se há uma pessoa na minha vida a quem eu gostava de poder dizer ‘obrigada’, era a esse meu antigo padrasto. Mas não posso, porque ele já faleceu.

Quando o meu meio-irmão mais novo tinha 4 anos, a minha mãe deixou-o para voltar a juntar-se com o meu pai. Há razões que a razão não entende. No fundo sempre gostou dele, mesmo malandro como sempre foi. Eu avisei-a tanto para não fazer esse disparate mas ela respondia-me que era o amor da vida dela e eu não podia fazer nada. A minha mãe veio a falecer aos 67 anos, com muitos problemas de saúde.

A minha mudança para a Holanda foi uma coisa boa, mas voltei para Portugal e juntei-me com o meu primeiro homem e pai das minhas quatro meninas, duas delas gémeas. Ele trocou-me por outra mas, ao contrário do meu pai, ele dava apoio às filhas; e eu, ao contrário da minha mãe, não digo que ele foi o amor da minha vida. O que sinto hoje por ele é… nada!

Há quase 20 anos encontrei um outro homem com quem me mantenho e ainda tive um rapaz. Já trabalhei na agricultura… mas deixou de dar. Agora, vendo castanhas no inverno; no verão, vendo pipocas e algodão doce. Vive-se como se pode, ao frio e ao calor!

Dizer que sou feliz, não consigo, porque nunca fui, mas também não sou triste. Para quê?”






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1 comentário

  1. Muito interessante. Casos do país real, de pessoas que o servem e lutam para sobreviver ou melhorar a sua vida. Para educar os seus filhos e ajudar outros na medida das suas possibilidades e quase sempre sem a ajuda de uma outra sociedade ingrata. Pessoas longe das histórias cor de rosa, dos lucros e vencimentos com muitos zeros e das indemnizações milionárias. E por vezes têm que ouvir vozes das Avenidas Novas ou da Foz clamando que não sao ricos porque não trabalham ou porque o Estado cobra muitos impostos.

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