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Carta aberta ao senhor Ministro da Saúde

Por Joana Ramos*

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Caro senhor ministro 

 

Sou funcionária pública, professora.

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Raramente fico doente, felizmente.

Também vou algumas vezes trabalhar doente, sem necessidade.

Ou melhor, com necessidade. No meu caso não vale a pena dar me ao trabalho de meter uma baixa médica. Tira me mais saúde só de pensar que não tenho um médico de família há largos meses e, além disso, as doenças que me afligem são apenas coisas simples que carecem de descanso e caldos de galinha. E perco o vencimento desse dia, claro (claro??!??!). Claro.

Sou muito grata por isso ao meu sistema imunitário, até hoje, mais do que ao SNS, que tem vindo a ter recaídas atrás de recaídas nos últimos anos. Os médicos que resistem fazem o que podem. Os que não estão aqui, no interior, nem sonham com as dificuldades das pessoas, sobretudo dos idosos que são” pessoas de alta densidade” nos “territórios de baixa densidade”. 

As técnicas administrativas e enfermeiras ouvem, com a paciência que podem (e é muita felizmente!), porque devem observar a necessidade das pessoas enquanto estas esperam a sua vez na sala do centro de saúde ou do hospital.

No meu caso particular, se precisar de uma baixa médica, tenho de implorar uma consulta com a médica de recurso, que só me atende se puder, comprometendo o resto do serviço do seu dia, se o aceitar. Está no seu direito de o fazer ou não.

Nesse aspeto, sei que a médica de recurso pode estar cansada, e ter até má cara para com a minha abordagem de necessidade, mas o seu sentido ético e deontológico vai obrigar a sua consciência a fazer o esforço de me atender. Já lhe vou conhecendo o estilo de trabalho.

Se assim não for, vou ter de ir ao hospital, entupir as urgências para me auscultarem e passarem um qualquer antibiótico ou anti-histamínico, numa espera infinita quase certa, que nada fará pelas minha melhoras. E devo dizer que os meus alunos também precisam de mim em condições e o mais depressa possível!

Num país desenvolvido, como o nosso, em que se propagam planos de negócios para a saúde a nível regional, ignora-se continuamente o elefante na sala, repito, o enorme elefante na sala que é a falta de médicos de família nos centros de saúde, médicos esses que representam a resposta mais eficaz de proximidade nos cuidados de saúde primários.

Não falo de cor. No dia 11 de maio estive, como deputada intermunicipal, numa Reunião Extraordinária da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo (pedida expressamente pelo meu grupo parlamentar), para solicitar esclarecimentos e compreender melhor o que está em cima da mesa com o mencionado plano de negócios, que vai ser realizado na reestruturação dos serviços de saúde públicos do Médio Tejo, numa lógica de otimização do binómio Centro Hospitalar/Centros de Saúde, que é bem-vinda.

Clarificaram-se alguns pontos, mas poucos, face aos que existem.

O senhor Diretor do Centro Hospitalar e senhora Diretora do ACES, ambos do Médio Tejo, fizeram o que puderam para responder às questões de todos os deputados, dentro das limitações legais de sigilo e da vontade de nos esclarecerem.

A reunião teve início às nove da noite e terminou já passava da meia noite e meia.

 

A estrutura ministerial deve ser chamada à responsabilidade nesta situação. Não deve colocar-se apenas a resposta nas mãos dos diretores dos centros hospitalares e dos centros de saúde regionais para fazerem análises SWOT que vão reorganizar o sistema, mas cujos recursos humanos em falta são um ponto incontornável da questão.

Os governos sucessivos, mas sobretudo o último, têm muita sorte com os recursos humanos de que dispõem. Muitos deles são abnegados servidores de um Estado que é distante e muitos deles são a primeira, e última, linha de apoio aos utentes que precisam, aos alunos que precisam, aos cidadãos que precisam.

Têm de existir mecanismos que vão além dos “planos de negócios” na saúde para resolver o problema da saúde de proximidade. É uma das primeiras respostas do serviço público e tem de funcionar para libertar as mais complexas.

Voltando ao início, hoje estou doente, mas isso não é importante porque amanhã, ou depois, já estarei melhor. Estarmos doentes é uma coisa normal. Termos esta falta de resposta e termos de a exigir em praça pública é que não é normal. Ou pior, acomodarmo-nos a ela, achando normal.

Enquanto o básico não for resolvido, nunca podemos almejar discutir com seriedade as questões seguintes…e são muitas e estruturantes.

Só estive quase três horas à espera no Centro de Saúde. Imagine, senhor Ministro, o tempo que teria para lhe escrever se tivesse ido a urgência do hospital.

Gostava que lesse este texto e pensasse: “O ideal é manter esta gente que escreve, com saúde. Para que não tenham tempo de escrever textos nas salas de espera.” Mas sei que dificilmente chegará tão longe, o texto.

Ao que apurei, haverá um concurso em junho para colocação de médicosSe o concurso ficar deserto novamente para as regiões do costume, senhor Ministro, porque não pedir ajuda ao Ministério da Educação, para saber como se oferecem presentes envenenados aos profissionais, (como se faz com os professores contratados com mais de vinte anos de serviço), prometendo-lhes a vinculação em troca de colocação nas regiões onde há mais carência de docentes?

 Isso é que é trabalhar articuladamente, senhor Ministro.

Perdoem-me a ironia. Não lhe resisti, entre um ataque de tosse e a toma de um antipirético. 

Joana Marcos Barroso Ramos (PSD)

*Deputada na assembleia municipal do Sardoal e na assembleia intermunicipal do Médio Tejo

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2 comentários

  1. Estimada deputada do PSD. Antes de mais, desejo as suas melhoras. Voto também que passe a ter mais sorte com o SNS. De facto posso assegurar que tenho recorrido a ele (em casos de diferentes complexidades) e considero o mesmo de Excelente Qualidade. Admito que haja melhorias a fazer como dota-lo de mais médicos. Acontece que os medicos formados pelo Estado, após a sua aprendizagem por conta dos impostos vao para onde ganham mais. Ou seja vão exercer no setor privado que o mesmo Estafo financia. Tenha o Estado vontade de por ordem no caso(incluindo por ordem na Ordem dos Médicos) que tudo melhorará. Sem necessidade de recorrer aos ensinamentos do seu PSD, cuja solução é privatizar a saúde, tornando-a mais cara aos doentes e aos contribuintes para financiar essa gestão privada.

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