Carta aberta ao diretor de “Cidade de Tomar”
Caro conterrâneo e senhor diretor:
Reza o adagiário popular que “tarde é o que nunca vem”. Decerto acossado por uma realidade cada vez mais adversa (consta por aí que a situação económica do seu semanário não é nada famosa, antes pelo contrário), resolveu o senhor protestar finalmente contra aquilo que lhe parece intolerável. Refiro-me à Nota do diretor, de 14/06/2019, que apoio e aplaudo. Não posso contudo deixar de acrescentar: Até que enfim!
Se bem entendi, que o português é, como todos sabemos, uma língua tão escorregadia, que já o outro dizia “somos dez milhões, separados pela mesma língua”, para o senhor o governo de Lisboa agride os tomarenses, ao pretender incluir Tomar na “Reserva ecológica nacional”.
Também não concordo que tal venha a acontecer, mas compreendo que alguns governantes mais observadores e competentes tenham tido essa ideia. Repare por favor. Embora a menos de duas horas da capital, por boas estradas feitas com dinheiros de Bruxelas, somos mesmo, como tomarenses, um povo estranho, uma comunidade muito peculiar.
Além de gastarmos anualmente mais de um milhão de euros com subsídios a associações culturais e/ou desportivas de toda a ordem, não temos desporto competitivo que se veja, e cultura ainda menos.
Agravando a situação, num território cheio de carências, os nossos impostos financiam a cada 4 anos uma festa imponente, que em tempos serviu para ajudar a matar a fome aos pobres, e mais tarde também para legitimar o poder não eleito. Agora que já não serve nem para uma coisa nem outra, porque já não é felizmente necessário, serve afinal para quê?
No figurino atual, em que até bancadas com acesso pago a 10 euros dão prejuízo, serve apenas e só para o penacho, para “dar espetáculo”, para se exibir. Transformando, por ocasião dos cortejos, a cidade num circo. Para turista ver. À borla!
Nestas condições, senhor diretor, permita-me que lhe diga o que me parece óbvio: O senhor chegou atrasado ao debate local. Agora já não é tempo de protestar contra as decisões centralistas de Lisboa. Urge encontrar soluções para Tomar. Enquanto tal não acontecer, temos de compreender que na capital nos continuem a considerar uma espécie de “Aldeia de Astérix”, com costumes bizarros, atitudes obsoletas e mentalidades quadradas, perdida algures no vale do Nabão.
Os gauleses do Astérix temiam que o céu lhes desabasse nas cabeças. Os habitantes da “aldeia tomarensix” temem que, se mudarem de feitio, S. Pedro os não queira receber no céu.
Até quando?
Aceite os meus respeitosos cumprimentos,
José Cidade Velha
O Jornal Cidade de Tomar foi o único a noticiar a entrega de um certo ramo de flores. Coragem não lhes falta.
Deixe-me dizer-lhe que o seu comentário peca por ser demasiado misterioso. Não faço a menor ideia a que “certo ramo de flores” se refere. E não me consta que no texto se possa ler algures que falta coragem aos que trabalham no Cidade de Tomar.
Se bem percebi, o que na crónica inicial se insinua é que o senhor diretor do jornal faria melhor se criticasse os vícios e outras manias dos tomarenses, em vez de se atirar ao governo central como gato a bofe.
E eu também considero que faria melhor porque, em muitos casos sem disso se dar conta, os tomarenses em geral (com muitas exceções, naturalmente) amam tanto a sua terra que acabam por ser os seus piores inimigos. Praticam inadvertidamente o chamado “abraço do urso” que, como geralmente não se sabe, mata abraçando a vítima.
Grande Lisboa e o Grande Porto crescem em eleitores, o que faz crescer o investimento publico. No interior acontece o contrário. Depois veio a troika, e mais recentemente as cativaçoes e o congelamento do investimento publico. Se calhar não vale muito reclamar. Até porque podemos sofrer represálias…
Tem razão Jorge. “Se calhar não vale muito reclamar. Até porque podemos sofrer represálias.” Por isso eu nunca reclamo. Limito-me a alinhar factos. Neste momento, por exemplo, tenho muita dificuldade em entender que a câmara disponha de 400 mil euros para os Tabuleiros, mas esteja à espera de um programa europeu que faculte fundos para reparar a cobertura da biblioteca municipal, onde chove. Foi o que afirmou o senhor vicepresidente da autarquia..
Também me faz espécie que, com tais formas de gestão dos dinheiros públicos, (há para festas e outros eventos; falta para obras indispensáveis e urgentes), os senhores eleitos tenham ficado muito ofendidos quando aquele dirigente europeu, ministro das finanças da Holanda e antecessor de Centeno no ECOFIN, afirmou que muito do dinheiro da Europa que vinha para os países do sul (Portugal, Espanha, Grécia Itália, Chipre e Malta) era mal gasto, com “meninas, vinho e divertimentos”.
Porque será que ficam sempre tão chocados com a verdade?